“Senta-te direita que não consigo pentear-te assim!” “Ai vó! Mas está a magoar!” “Como te pode estar a magoar se ainda mal te toquei?”
Lá fechei os olhos e engoli em seco, todos os dias passava por aquilo, não havia como evitar aquele ritual, avó de escova enorme em punho, não era uma reguada que levava, é certo, mas quando se tem riças teimosas no cabelo até os dedos fazem ferida se se lembram de por lá passar. E ainda dizem que o cabelo não dói. “Direita!” “sim, vó, direita, estou direita.” Eu ali muito pequenina, sumida quase, a achar que se me encolhesse a dor era mais fácil de suportar. Não era. “Pronto, custou assim tanto? Todos os dias a mesma coisa!”. Levantei a cabeça para receber o consolo final, um sorriso e promessa de torradinhas quentes com manteiga a derreter para o pequeno-almoço. “Com leite morninho, vó?” “Sim, leite morninho”. Bebi-o de um trago “Vó, quero furar as orelhas.” “Furar as orelhas pra quê? A tua mãe não deixa.” “Ó vó...não lhe dizemos nada”, “limpa-me esses bigodes de gato”, “ouviste, vó?” “sim, ouvi. Como queres não lhe dizer nada? Andas de brincos e achas que ela não vê?” “Vó, não é isso. Não lhe dizemos nada antes. Dizemos depois”, “estás tolinha” “não estou!”
Vó.
A minha avó. “tens a pele macia, vó”. Eu fechava aos olhos enquanto lhe passava a mão pela cara, parecia mel, um sulco, mel, um sulco, mel... “Vó, és velha?”
Um sorriso a escapar-se. “Sim, meu amor, sou velhota sou.”
“Quando eu crescer não quero ser velha, vó.” “Vais ser velha só depois de seres nova durante muito muito tempo.”
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