segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Senta

“Senta-te direita que não consigo pentear-te assim!” “Ai vó! Mas está a magoar!” “Como te pode estar a magoar se ainda mal te toquei?”

Lá fechei os olhos e engoli em seco, todos os dias passava por aquilo, não havia como evitar aquele ritual, avó de escova enorme em punho, não era uma reguada que levava, é certo, mas quando se tem riças teimosas no cabelo até os dedos fazem ferida se se lembram de por lá passar. E ainda dizem que o cabelo não dói. “Direita!” “sim, vó, direita, estou direita.” Eu ali muito pequenina, sumida quase, a achar que se me encolhesse a dor era mais fácil de suportar. Não era. “Pronto, custou assim tanto? Todos os dias a mesma coisa!”. Levantei a cabeça para receber o consolo final, um sorriso e promessa de torradinhas quentes com manteiga a derreter para o pequeno-almoço. “Com leite morninho, vó?” “Sim, leite morninho”. Bebi-o de um trago “Vó, quero furar as orelhas.” “Furar as orelhas pra quê? A tua mãe não deixa.” “Ó vó...não lhe dizemos nada”, “limpa-me esses bigodes de gato”, “ouviste, vó?” “sim, ouvi. Como queres não lhe dizer nada? Andas de brincos e achas que ela não vê?” “Vó, não é isso. Não lhe dizemos nada antes. Dizemos depois”, “estás tolinha” “não estou!”

Vó.

A minha avó. “tens a pele macia, vó”. Eu fechava aos olhos enquanto lhe passava a mão pela cara, parecia mel, um sulco, mel, um sulco, mel... “Vó, és velha?”

Um sorriso a escapar-se. “Sim, meu amor, sou velhota sou.”

“Quando eu crescer não quero ser velha, vó.” “Vais ser velha só depois de seres nova durante muito muito tempo.”


Porque hoje me lembrei de ti, avó.

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